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quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

POR QUE OS MUÇULMANOS NOS ODEIAM?


 

BY: Philip Yancey
FONTE: MISSÃO EVANGÉLICA ÁRABE

Durante mais de uma década, os norte-americanos têm assistido pela televisão a turbas de muçulmanos clamando, aos berros, “Morte ao Grande Satã!” e queimando nossos presidentes em efígie. A geografia dos protestos muda — primeiro o Irã e a Líbia, depois o Líbano e, por último, o Iraque e a Argélia —, mas o zelo desses muçulmanos não. Alguns desses fanáticos religiosos nutrem verdadeiro desprezo por nós.
A maioria dos norte-americanos não sabe como lidar com essas circunstâncias. Fazemo-nos passar por um povo amigável, que não deixa de sorrir e sempre estende a mão. Nossos líderes políticos parecem mais tios simpáticos do que tiranos implacáveis. O rótulo de “Grande Satã” continua a ser lembrado com ressentimento, pois encaramos os Estados Unidos como uma nação cristã, muito mais devota do que, digamos, a Europa Ocidental. Pelo menos, ainda freqüentamos a igreja. Como alguém pode nos chamar de abomináveis ou de pagãos? 

Muitos historiadores prevêem uma nova grande divisão entre as duas maiores religiões do mundo: o cristianismo e o islamismo. Nos últimos tempos, ficamos tão acostumados com a polaridade entre o comunismo e o capitalismo que nos esquecemos de que o mundo ocidental um dia esteve obcecado pela polaridade religiosa. Convém desenvolver a compreensão mútua para que não mergulhemos em um novo conflito de 800 anos de duração. 

A maioria das críticas islâmicas ao Ocidente parece girar em torno da ultrapassada palavra materialismo. Quando ela descreve a busca de riquezas e de comodidades trazidas pelo consumo, poucas nações árabes desaprovam: graças à receita gerada pelo petróleo, o Golfo Pérsico é a região mais rica do mundo. Mas o materialismo refere-se a uma abordagem filosófica, uma crença de que a vida humana consiste principalmente (ou exclusivamente) no que acontece aqui e agora no mundo material. 

Os discípulos do Islã tendem a nos ver como obsessivamente preocupados com a vida, não com a eternidade por vir. Uma das razões de Saddam Hussein apostar em uma invasão do Kuwait foi o fato de duvidar de que o Ocidente, particularmente os Estados Unidos, estivesse disposto a sacrificar milhares de vidas. Por outro lado, a guerra entre Irã e Iraque já havia provado que centenas de milhares de fiéis muçulmanos morreriam de bom grado em sinal de “glorioso sacrifício” diante da promessa de uma passagem instantânea para o paraíso. 

Em uma das grandes ironias da História, o Islã decidiu atrair para si postura de mártir. Os primeiros cristãos prevaleceram contra Roma porque escolheram as recompensas eternas, não a mera sobrevivência física. O sangue dos mártires foi a semente da igreja. Hoje, pouco se ouve falar de recompensas eternas no Ocidente, enquanto muito comentadas são as técnicas destinadas a manter a morte a distância. Os jovens árabes que estudam nos Estados Unidos saem impressionados, e geralmente escandalizados, com o tanto de energia que investimos na vida física. Examine o que se vende em uma banca de jornais local e conte os títulos de periódicos dedicados a musculação, dieta, moda e mulheres nuas — todos eles símbolos da importância dada às coisas materiais. 

Puritanismo é outra palavra cristã adotada pelas sociedades islâmicas. Durante a Guerra do Golfo Pérsico, pela primeira vez nos recentes anais da História, os soldados norte-americanos tiveram de passar sem álcool e sem Playboy, em deferência ao rigoroso código islâmico na Arábia Saudita. Poucos percebiam que a diferença de padrões morais entre o Islã e o Ocidente é de natureza filosófica, não apenas cultural.
Ao definir moralidade, a sociedade norte-americana tende a aplicar o princípio do resultado final: “Está prejudicando alguém?” A pornografia, portanto, é legal, desde que não envolva violência explícita ou assédio a menores. Você pode embebedar-se legalmente, desde que não quebre a janela do vizinho nem dirija seu carro embriagado, colocando em perigo a segurança dos outros. A violência na televisão é permitida, porque todos sabem que os personagens estão apenas representando. 

Esse referencial de moralidade trai o nosso materialismo implícito. Enquanto definimos prejuízo no aspecto mais físico do termo, as sociedades islâmicas abordam a questão de um ponto de vista mais espiritual. Nesse sentido mais profundo, o que poderia ser mais prejudicial do que o divórcio, digamos, ou a pornografia, ou a violência como forma de entretenimento, ou até mesmo a descrição cínica do mal banalizado em um programa de televisão como Melrose Place? A partir dessa perspectiva, os Estados Unidos passaram a receber a reputação de “Grande Satã”. 

O mesmo materialismo se faz sentir em nossos métodos preferidos de punição. Os norte-americanos se escandalizam com a “brutalidade” islâmica, como as decapitações, linchamentos em público e amputação das mãos dos ladrões. “Como podem ser tão cruéis?”, perguntamo-nos. Mas trancafiamos adolescentes em celas lotadas de criminosos infames; será que, em algum momento, ponderamos o que acontece com suas almas? “Não tenham medo dos que matam o corpo, mas não podem matar a alma”, advertiu Jesus. E mais: “É melhor perder uma parte do seu corpo do que ser todo ele lançado no inferno”. 

O escritor italiano Umberto Eco (O Nome da Rosa; O Pêndulo de Foucault) escreveu um fascinante relato de uma viagem pela América intitulado Travels in Hyperreality (Viagem pela Hiper-realidade). Ele também retornou impressionado com o nosso materialismo básico. Observou que os norte-americanos chegam até a conferir substância física aos seus mitos. Os antigos gregos homenageavam seus heróis com música e poesia em torno de uma fogueira; os norte-americanos trocam apertos de mão com os seus, na Disneylândia, representados por pessoas caracterizadas em célebres personagens com fantasias de veludo e algodão.
A programação religiosa veiculada pela televisão intrigava Eco: “Se acompanhar os programas religiosos que a televisão leva ao ar aos domingos, você passa a compreender que Deus só pode ser sentido em forma de natureza, carne, energia e imagem tangível. E como nenhum pregador ousa nos mostrar Deus sob a forma de um boneco barbudo, ou como um robô da Disneylândia, Deus só pode ser encontrado em forma de força natural, alegria, cura, juventude, saúde e progresso econômico.” Onde está o mysterium tremendum, perguntava-se Eco; onde está o Deus sagrado, misterioso e inefável? 

Confesso que, das grandes religiões do mundo, o Islã é a que tenho mais dificuldade de compreender e de admirar. Não acho sua doutrina convincente e considero seu fanatismo aterrorizante. Entretanto, as questões levantadas pelo Islã deveriam incomodar os cristãos aqui no Ocidente. Acima de tudo, o Islã cultiva a crença em um Deus sagrado e misterioso, além de nutrir profunda fé em uma vida espiritual e imortal, não apenas em uma existência material e finita. Nós, “infiéis”, temos algumas lições a aprender. 

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