Talvez o leitor não saiba do grande destaque que a Península Ibérica
(constituída por Espanha e Portugal) tem na Bíblia. Ela possui um papel
de importância última no plano de Deus para a evangelização do mundo.
Embora quase desconhecidas, estas observações são relevantes,
especialmente frente ao Congresso Missionário Ibero-Americano realizado
em novembro de 1987, em São Paulo (COMIBAM 87).
A PENÍNSULA IBÉRICA NO MUNDO DO
ANTIGO TESTAMENTO
Há
várias referências, no mundo antigo, a um lugar chamado Társis ou
Tártissus. Era uma cidade fenícia e mercantil conhecida desde o século
XI a.C. Situava-se ao sul da Espanha, na foz do rio Guadalquivir, do
lado atlântico do Estreito de Gibraltar. Em todo o Antigo Testamento,
Társis é considerada “os confins da terra” ou extremis terris.
Por
isso, Jonas, querendo fugir da presença de Deus, embarcou num navio que
ia para Társis — o lugar mais distante de que se tinha notícia na época
(Jn 1.3).
Este é, também, o sentido do Salmo 72. Aqui, o rei
messiânico dominará “… desde o rio…” (o Eufrates, no extremo leste) “…
até aos confins da terra” (72.8). A explicação vem dois versículos
depois, na referência a Társis e às ilhas no extremo oeste (72.10). A
ideia é semelhante à de Mateus 24.14, Apocalipse 5.8-10 e 7.9-10, onde
se lê que, antes do fim, o evangelho do reino deverá ser pregado entre
todos os povos da terra para que estes prestem culto ao Messias.
Assim
se esclarece Isaías 66, que também relata a adoração prestada ao Senhor
por parte de todos os povos, anterior ao estabelecimento de novos céus e
nova terra e antes do fim (66.15-24). Segundo esta passagem, o Senhor
enviará alguns “salvos” para falar dele até as mais remotas terras do
mar, que jamais ouviram falar do Senhor nem viram sua glória (66.19).
Ora, estas terras incluem Társis, Lude e Tubal, na Ásia Menor, Javã, na
Grécia, e Pui, provavelmente na Líbia ou em Cirene. Povos destas nações
irão a Jerusalém como oferta para o culto mundial que inaugurará o fim.
Mas não são somente alvos missionários, pois alguns deles se tornarão
sacerdotes e levitas, isto é, estes também trarão ofertas, a oferta da
evangelização (66.20s.). Portanto, a Península Ibérica será alvo e
instrumento missionário.
A PENÍNSULA IBÉRICA NA ESTRATÉGIA
EVANGELÍSTICA DE PAULO
Certamente, esse pano de fundo contribuiu para a visão missionária do apóstolo Paulo. Por isso ele queria tanto chegar à Península Ibérica (Rm 15.24). Três documentos do primeiro e segundo séculos alegam que Paulo, de fato, chegou à Espanha, mas o Novo Testamento não nos diz nada sobre isso. Em 1963, a cidade de Tarragona, antiga Társis, ergueu uma estátua do apóstolo comemorando sua ida até lá.
Como apóstolo dos gentios, e à luz de Isaías 66, Paulo queria chegar aos confins da terra — a Península Ibérica. Ele desejava levar para Jerusalém povos não só da região que já havia evangelizado (desde Jerusalém até o Ilírico, conforme Rm 15.19 — as nações, de Isaías 66) como também da Península Ibérica (Társis), antes do fim. E estes ibéricos, por sua vez, dariam testemunho lá, como instrumentos missionários.
Isto não quer dizer que Paulo entendia que a volta de Cristo dependia unicamente dele. Ele não se via como o único apóstolo entre os gentios (nem o último), mas como um apóstolo único, no sentido de ser precursor e exemplo para todos os demais. Assim, sua dupla estratégia evangelística (até os confins geográficos da terra e entre os povos não-evangelizados) seria precursora e exemplar para a obra de evangelização até hoje.
O POVO IBÉRICO NA EVANGELIZAÇÃO MUNDIAL
Os povos de origem luso-hispânica — quer sejam europeus, americanos, africanos ou asiáticos — ocupam um papel crucial nas últimas fases do alcance final dos povos ainda não-evangelizados. Não são apenas alvos missionários vindos das extremidades da terra para a adoração do Senhor, mas, como Paulo, irão até os confins da terra pregar aos povos não-evangelizados (Rm 15.20).
Mas aqui se faz necessária uma advertência. Muitos missionários norte-americanos tiveram, durante o último século (e alguns têm, infelizmente, até hoje!), um sentimento de destino divino, não só por trás de seu chamado missionário, mas também de sua cultura. O resultado trágico tem sido a transmissão do evangelho com uma atitude de superioridade e paternalismo. Qual o líder cristão ibero-americano que não encontrou isto?
No meio de tanta conversa boa sobre o grande potencial missionário dos povos ibéricos — suas características de mobilidade, personalismo, profunda espiritualidade, laços históricos etc., há uma perigosíssima tendência de negligenciar as falhas e pontos fracos dos missionários norte-americanos. Precisamos aprender com nosso próprio contexto missionário.
A vez dos povos ibéricos não surgiu agora. Desde o início, Deus tinha um papel crucial reservado para eles. Sigamos os admiráveis exemplos da história, enquanto permanecemos bem conscientes daqueles que não o são.
Extraído do livro MISSÕES NA BÍBLIA, Ed. Vida Nova
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