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segunda-feira, 29 de março de 2010

OSSOS DO OFÍCIO - V


Muitos pastores partirão para a eternidade, e outros já partiram levando consigo impressões do ofício pastoral que jamais confiariam a alguém. Então, sem nenhuma presunção, permitam-me ser a voz destes que sofreram calados, confinados muitas vezes na gruta da solidão, ou simplesmente resignados por conta da incompreensão que cerceia nosso direito de expressar os sentimentos mais secretos e mais sofridos.
Para se ter uma idéia da magnitude da solidão a que os ministros são submetidos, nem mesmo entre nós, colegas de ministério, encontramos facilmente parceiros que nos compreendam e que sejam realmente leais, confiáveis e empáticos – um exemplo claro disto vivido por mim nos últimos anos, e que figura entre minhas maiores decepções e frustrações em relação a pessoas, recai sobre quatro pastores (um deste até a presente data está afastado do ofício há vários anos), destes três deles eu mesmo conduzi e levei ao sacerdócio! Todos eles foram amigos próximos, hoje em dia são estranhos distantes, indignos de minha confiança.

Mas, verdade seja dita, percebi que ser pastor não era tarefa nada fácil logo no começo. Como não possuía o preparo adequado tive que me “adequar” aos trancos e barrancos (esta é a história de grande parte dos ministros na Igreja Evangélica brasileira que é imensamente falha, omissa e incompetente para formar seus obreiros).
Lembro-me uma série de episódios relacionados à minha saúde que ficaram gravados na memória. Ainda não tinha chegado aos trinta anos quando sofri uma espécie de pane física e mental, que resultaram em hipotensão (pressão baixa), taquicardia (alteração nos batimentos cardíacos) e hipoglicemia (baixo nível de açúcar no sangue). Neste tempo ainda dividia meu tempo entre trabalho secular e uma pequena (mas problemática como todas as outras) igreja local. Jamais teria coragem de atribuir ou relacionar aquele estado em que me encontrava à dinâmica da igreja, ou às atitudes bizarras que algumas pessoas promovem em nossos redutos. Porém, um médico me pôs a pensar seriamente sobre o assunto quando, ao me examinar, travou um rápido diálogo para ajudar em seu diagnóstico:
─ “O que você faz?”
─ “Trabalho no serviço de coleta de um laboratório.” – Respondi.
─ “Mais alguma coisa?” – Retrucou o doutor.
─ “Também sou pastor. Cuido de uma igreja.” – Resmunguei.
─ “Xi! Deixa este negócio de ser pastor pra lá. Gente dá muito trabalho!”

Ele tinha razão. Gente realmente dá muito trabalho! E como... Falando nisto, quero aproveitar a palavra “trabalho” para dizer que há uma nítida divisão na igreja, no que tange às pessoas em relação a esta palavra. Aliás, um dos maiores problemas que os pastores enfrentam nas suas comunidades está relacionado com a questão de que uma minoria é realmente engajada e trabalhadora, enquanto a esmagadora maioria é formada por meros espectadores de cultos, cujas posturas são muito semelhantes aos adeptos de qualquer outra religião – se doeu esta afirmativa é por que tinha que doer mesmo!
Particularmente divido a igreja entre os que trabalham; os que fazem algum trabalho; os que fingem trabalhar e os que não trabalham (estes últimos são os que mais dão trabalho e atrapalham). Quem trabalha alivia o fardo dos pastores – lamentavelmente esta qualidade é encontrada numa espécie de crente cada vez mais rara em nossas congregações; os que fazem algum trabalho – e que igualmente só fazem alguma falta, com toda franqueza; os que fingem trabalhar – que perdem no fingimento, mas ganham na possibilidade de algum dia cair a ficha e assumirem uma postura menos demagógica e dissimulada. Por fim, existem os que assumidamente não trabalham – estes fariam um grande favor para nós e para si mesmos, se ao menos não nos atrapalhassem e não criticassem aqueles que fazem o que eles não tem a mínima vontade, capacidade ou disposição em fazer. - pr Aécio

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