A razão de ser do divórcio é para legalizar ou
"legitimar" um outro casamento. Também serve para fugir do
compromisso assumido. Os homens querem divórcio, mas qual é o ensino da Bíblia?
Uma norma básica da hermenêutica correta é começar pelos textos claros para
depois ver quaisquer textos ambíguos ou que oferecem alguma complexidade. Assim
faremos a seguir.
01. "Guardai-vos em vosso espírito, e ninguém seja desleal para com a mulher da sua mocidade. Porque o SENHOR, Deus de Israel, diz que odeia o repúdio" (Mal. 2.15-16). Aqui temos uma declaração solene -- O SENHOR odeia o divórcio. Dificilmente então Ele poderá aboná-lo. Ele eventualmente tolera, assim como Ele tolera o pecado. Aliás, suponho não existir divórcio sem pecado.
02. Lucas 16.18 nos apresenta a maneira básica em que Deus encara a questão, pois é uma declaração do Senhor Jesus: "Qualquer que deixa sua mulher e casa com outra, adultera; e aquele que casa com a repudiada pelo marido, adultera." Se aquele que casa com a divorciada "adultera", é porque o primeiro casamento ainda existe aos olhos de Deus.
03. Respondendo aos fariseus, em Marcos 10.2-5, o Senhor Jesus esclarece que Moisés permitiu aos homens repudiar mulher "pela dureza dos vossos corações". Nem aqui, nem em Mateus 19.3-9, aparece a idéia de "parte inocente". O divórcio geralmente se fundamenta em dureza de coração -- até hoje.
04. "Por isso deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á a sua mulher, e serão os dois uma só carne: . . . Portanto o que Deus ajuntou não o separe o homem" (Mc. 10.7-9). Fica claro que o ideal que Deus coloca é a monogamia -- "a sua mulher" é singular, "os dois" só pode dizer respeito a um homem e uma mulher. (É "dois", não três, quatro, cinco, etc. "Os dois" não pode dizer respeito a dois homens, a homem com animal, a mulher com demônio, ou como queira -- não pode.) Quando um homem e uma mulher se unem, passam a ser "uma só carne" e essa união Deus tem como sagrada -- "portanto o que Deus ajuntou não o separe o homem". Qualquer homem! Inclusive os próprios cônjuges. Eis aqui uma nítida proibição contra o divórcio. Nem os próprios cônjuges podem separar o que Deus ajuntou. Aliás, parece claro que nada que depois possa ocorrer altera o fato de ter acontecido a união -- "uma só carne" se fez, e fica. Outras eventuais uniões complicam a situação (o pecado sempre complica) mas são incapazes de fazer com que a primeira união inexista. É exatamente por isso que Deus chama as outras uniões de "adultério" -- se a primeira união tivesse sido desfeita, a palavra "adultério" não seria mais cabível, pois a palavra diz respeito precisamente à infidelidade a uma união ainda em pé.
05. É isso que Jesus afirma nos versos 11 e 12 (ainda Mc. 10): "Qualquer que deixar a sua mulher, e casar com outra, adultera contra ela. E, se a mulher deixar a seu marido, e casar com outro, adultera." Em Lucas 16.18 a mulher é apresentada como passiva - é deixada, aí tomada por outro. Aqui (v. 12) ela é apresentada como tomando a iniciativa-é ela que deixa o marido. Conclusão: quer seja o homem quer seja a mulher que toma a iniciativa, no momento que se une a outro(a) adultera, pois a primeira união ainda existe.
06. Em Mateus 5.27-28 lemos assim: "Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu porém, vos digo, que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar já em seu coração cometeu adultério com ela." É claro que adulterar no coração não desfaz a primeira união, e adulterar de fato também não a desfaz. Mateus 5.31-32 repete material que já comentamos, mas acrescenta a ressalva, "a não ser por causa de prostituição". Como a ressalva se repete em Mateus 19.9 e o contexto lá é mais amplo, vou comentá-la dentro do contexto de Mateus 19.3-10. Vamos lá.
07. Os fariseus chegam ao pé de Jesus perguntando se era "lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer motivo". Respondendo, Jesus apela para o propósito do Criador, ou seja, a monogamia, e repete a proibição contra o divórcio, "o que Deus ajuntou não o separe o homem" (incluindo os próprios cônjuges, presumivelmente). Aí eles não gostaram e puxaram a "carta de divórcio" falada por Moisés. Aí Jesus retrucou: "Moisés por causa da dureza dos vossos corações vos permitiu repudiar vossas mulheres, mas no princípio não foi assim." Notem bem, "Moisés permitiu", mas a idéia do Criador não foi bem essa, e Moisés permitiu "por causa da dureza dos vossos corações" (nada de "parte inocente"). Até aqui não encontramos nada que permita dizer que Deus abona o divórcio, mas vamos à "ressalva".
08. "Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de prostituição, e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada comete adultério." A questão chave é o sentido exato de "fornicação". No Novo Testamento, o termo diz respeito a prostituição (seria o sentido central), sexo premarital, incesto e homossexualismo. Não há caso claro para defender o sentido de "adultério". Aliás, em Mateus 15.19, Marcos 7.21, 1 Coríntios 6.9 e Gálatas 5.19, "fornicação" e "adultério" são apresentados como coisas diferentes, distintas e seria de estranhar se o Espírito Santo fosse depois confundir as duas coisas. No caso em pauta (Mt. 19.9) seria como que insultar o Espírito Santo dizer que "prostituição" tem apenas o sentido de "adultério" -- seria imputar uma desonestidade a Ele, ou no mínimo dizer que Ele visava confundir o leitor. Se o sentido desejado fosse "adultério", então o Autor teria feito escrever "adultério". Aliás, o fato de Jesus ter dito "fornicação" vale dizer exatamente que o casamento não tinha se concretizado ainda, pois caso contrário Ele teria dito "adultério". É exatamente por isso que me parece mais provável tratar-se de um caso semelhante ao dilema do José perante a Maria, grávida mas não por ele. Na cultura de então, uma vez desposada uma mulher era tida como pertencendo ao noivo, mesmo antes do casamento e a consumação da união física. Se, antes do casamento propriamente dito, ficasse provado que a noiva não era mais virgem (tendo havido fornicação, fatalmente), normalmente o noivo desmancharia o casamento, recusando-se a casar de fato com ela. A noiva seria repudiada e se o homem depois casasse com outra não haveria adultério, pois nunca se uniu sexualmente com a primeira. Se outro depois casar com a dita não será adultério porque embora deflorada não chegou a se casar. Em verdade, Mateus 19.9 não contraria Lucas 16.18 e Marcos 10.11-12; as três passagens são unânimes -- para Deus não existe divórcio. Só a morte desfaz a união matrimonial. Infidelidade complica, mas não desfaz. É por isso que Jesus chama qualquer segundo casamento de "adultério" pois a primeira união ainda existe. Parece claro que os discípulos, na hora, entenderam assim. Vejam só.
09. "Disseram-lhe seus discípulos: Se assim é a condição do homem relativamente à mulher, não convém casar" (Mt. 19.10). Ora veja, porque tanto desespero? Obviamente a palavra de Jesus foi muito dura para eles. Eles estavam acostumados com a facilidade permitida por Moisés, embora existissem na época várias posições quanto ao tipo de coisa que justificaria o divórcio. Mas parece que todo mundo concordava em que a infidelidade justificava o repúdio -- pelo menos isso. Milhares múltiplos de homens têm aceitado o casamento não pensando em saída a não ser (que Deus nos livre) por uma eventual infidelidade da mulher -- então essa interpretação parece inadequada para explicar a reação dos discípulos. É que Jesus simplesmente fechou a porta -- não existe divórcio que permita casar de novo. Só a morte abre a porta outra vez. Senão, vejamos.
10. "Não sabeis vós, irmãos (pois falo aos que sabem a lei), que a lei tem domínio sobre o homem por todo o tempo que vive? Porque a mulher que está sujeita ao marido, enquanto ele viver, está-lhe ligada pela lei; mas, morto o marido está livre da lei do marido. De sorte que, vivendo o marido será chamada adúltera se for doutro marido; mas, morto o marido, livre está da lei, e assim não será adúltera se for doutro marido" (Rom. 7.1-3). "Vivendo o marido será chamada adúltera" - nada de "parte inocente", nada de divórcio; enquanto o primeiro cônjuge estiver com vida a união existe e qualquer união a mais se caracteriza por "adultério". Só a morte desfaz a união. Ver 1 Coríntios 7.39 também.
11. Voltando a Mateus 19 atentemos para a resposta de Jesus diante do desespero dos discípulos (vv. 11-12): "Ele, porém, lhes disse: Nem todos podem receber esta palavra, mas aqueles a quem foi concedido. Porque há eunucos que assim nasceram do ventre da mãe; e há eunucos que foram castrados pelos homens; e há eunucos que se castraram a si mesmos por causa do reino dos céus. Quem pode receber isto, receba-o." Vejam que coisa, onde já se viu! Porque que Jesus puxa exatamente o assunto de eunuco a essa altura? Pois então, eunuco tem relações sexuais? Parece claro -- Jesus está dizendo que quem se separar de sua mulher deve então viver como "eunuco"; nada de novo casamento até que o primeiro cônjuge morra.
12. Resta comentar 1 Coríntios 7.10-17: "Aos casados mando, não eu mas o Senhor, que a mulher se não aparte do marido. Se, porém, se apartar que fique sem casar, ou que se reconcilie com o marido; e que o marido não deixe a mulher" (vv. 10-11). Tudo é coerente -- nada de divórcio. Mesmo em caso de separação, que fiquem sem casar! Isso para casal crente, mas será que para casal misto as regras vão ser outras? Observar, por favor, que é o Senhor que manda ficar sem casar. Depois, no verso 12, Paulo oferece uma opinião sua.
13. Após afirmar que a parte crente não deve nunca deixar a parte descrente, o apóstolo pondera: "Mas, se o descrente se apartar, aparte-se; porque neste caso o irmão, ou irmã, não está sujeito à servidão; mas Deus chamou-nos para a paz" (v. 15). Agora, se quando um cônjuge crente se aparta não é permitido ao outro casar novamente, com que lógica poderia se supor que a regra muda no caso de descrente? Porque? Como? Obviamente não procede. (A opinião de Paulo vale mais que o mandamento do Senhor?) Aliás, a parte crente é conclamada a um esforço especial, a mais, para ver se ganha a outra. Agora, se o incrédulo faz questão de separar-se o crente não é obrigado a tentar acompanhar a todo custo-seria uma servidão e contra a paz, pois estaria comprando briga com o descrente. Não tem nada no texto que justifique a idéia de que o crente abandonado tenha direito a outro casamento, absolutamente. Tanto é que o apóstolo encerra o capítulo reiterando que só a morte libera o sobrevivente para novo casamento (1 Co. 7.39).
14. CONCLUSÃO: Para Deus não existe o divórcio. Nunca é lícito contrair um segundo casamento enquanto o primeiro cônjuge estiver com vida. Deus leva o sexo a sério! Tanto assim que ele decreta a pena de morte para certos abusos. Qualquer tipo de incesto acarreta a morte; a prática homossexual acarreta a morte; ter sexo com animal acarreta a morte; ter relação sexual com mulher em menstruação acarreta a morte-ler com atenção Levítico 20.10-21. Porque Deus reage de forma tão severa? Suponho que seja pelo seguinte: os últimos três procedimentos destroem a semente do homem (o primeiro deturpa), e é a semente que transmite "a imagem do Criador". Ele não criou o sexo para o nosso prazer, a não ser num plano secundário, e sim para garantir a continuidade da raça. O propósito precípuo da criação é para glorificar a Deus, não para satisfazer os desejos dos homens. Qualquer argumento que se prende ao prazer ou à conveniência dos homens é suspeito e inadequado. O humanismo invade cada vez mais as igrejas evangélicas, mas o humanismo é idolatria e é contrário a Deus. Tem mais uma; até nessa severidade para com o sexo Deus está prevendo o bem estar da raça humana. Em Mal. 2:15 lemos assim: "Não fez Ele somente um? . . . E porque somente um? Ele buscava uma descendência temente a Deus. Portanto cuidado com vosso espírito, e ninguém seja desleal para com a mulher da sua mocidade." A palavra traduzida 'um' é ehad, que inclui pluralidade dentro da unidade. Entendo que a referência é a 'uma só carne'. O uso responsável do sexo visa evitar o aviltamento da raça-o temor de Deus serve para isso também.
Muito bem, Deus não queria o divórcio nunca, mas que fazer perante as confusões e complicações já existentes?
15. A Bíblia nunca usa a expressão "viver em adultério"; usa sim "cometer adultério". Mesmo tendo começo adúltero, uma segunda união também tem existência e é reconhecida por Deus. Perez entrou na linha do Messias embora sendo produto da união vergonhosa de Judá e Tamar (Gn. 38). A prostituta Raabe passou a ser tataravó do rei Davi apesar de sua vida sórdida. O exemplo culminante deve ser o de Davi e Batseba. Sua união teve início da maneira mais pecaminosa e criminosa possível (adultério e assassínio, bastante covarde, aliás), mas mesmo assim Deus a reconheceu e inclusive a abençoou ao ponto de colocar o fruto dessa união, Salomão, no trono e inclusive permitir que ele construísse o templo, que Deus destacou com sua glória Shekinah. Quer dizer, se alguém está vivendo fielmente com um segundo cônjuge a frase "vivendo em adultério" não se aplica, mesmo que cometeram adultério ao dar início à união. Uma vez que existe uma segunda união, ela existe tanto quanto a primeira e não há como desfazê-la. Um segundo divórcio nada resolve.
16. Aliás, há um procedimento que Deus terminantemente proíbe. Depois que uma mulher casa com um segundo homem não poderá voltar ao primeiro nunca, mesmo que esse venha a morrer, inclusive (Dt. 24.1-4). O expediente de exigir de uma mulher recém-convertida, que já passou por duas (ou mais) uniões, que volte ao primeiro marido é tristemente antibíblico só faz desgraça.
17. Sei que existem casos horripilantes, de abuso até criminoso por parte de um dos cônjuges, onde a separação torna-se uma necessidade inclusive para evitar a morte prematura de uma das partes. A violência pode justificar a separação, mas não um novo casamento. Ao meu ver, um dos aspectos mais desgraçados do pecado é que quase sempre as consequências piores recaem sobre terceiros, muitas vezes verdadeiramente inocentes no que diz respeito ao pecado cujas consequências estão sofrendo. Passamos a vida vitimando e sendo vitimados. E daí? Podemos desfazer ou escapar? Mesmo quando o caso é totalmente trágico, injusto, repugnante? Via de regra, não. O jeito que tem é nos valer da graça de Deus e "correr com paciência a carreira que nos está proposta; olhando para Jesus, autor e consumador da fé, o qual pelo gozo que lhe estava proposto suportou a cruz desprezando a afronta e assentou-se à destra do trono de Deus" (Hb. 12.2).
18. Pecado é pecado e pecado tem castigo, mas também tem perdão (menos a blasfêmia contra o Espírito Santo). O passado está fora do nosso alcance; não podemos alterá-lo nem podemos desfazer os nossos pecados, mas o sangue de Cristo pode cobrir o passado e nos purificar do pecado. As qualificações para serviço na Igreja de Cristo são colocadas em tempo presente. (E quem entre nós tiraria nota dez em todas as qualificações?) Apesar do passado, Deus lida com a gente no presente com base na nossa realidade atual. Contudo, parece existir um "senão".
19. Há graça e perdão, mas nem por isso ficamos livres das consequências dos nossos pecados nesta vida. É certo que parece existir diferença entre pecado deliberado depois de convertido e o que se fez antes. Paulo explica que embora chegasse a perseguir os crentes (até a morte) [ele estava executando, não assassinando - existe uma diferença fundamental], alcançou graça e um ministério (bem destacado, por sinal) porque o fez "ignorantemente, na incredulidade" (1 Tim. 1.12-14). Depois de convertido ele subjugava seu corpo para que "eu mesmo não venha dalguma maneira a ficar reprovado" (1 Co. 9.27). O pecado pode desqualificar para o ministério -- isto fica claro em 1 Timóteo 3.1-12, entre outras passagens. Lá está "marido de uma só mulher". Em Malaquias, "o SENHOR odeia o divórcio" se insere num contexto maior onde Ele esta castigando os sacerdotes que divorciaram suas esposas. Em Mal. 2.13-14 Deus afirma que exatamente por isso Ele não olha mais para suas ofertas. Tudo indica que Deus não quer nem sacerdote e nem pastor divorciado, e reterá a benção se teimarem mesmo assim (pior ainda se divorciaram depois de convertidos).
Dr. Gilberto Pickering Brasília, 04/04/2001
Obs.: Debaixo da Lei de Moisés, que foi dada por Deus, adultério acarretava a pena de morte (Lev. 20.10). Com isso, já que a morte libera, as pessoas "viúvas", os cônjuges sobreviventes poderiam casar novamente. Quando uma sociedade não executa adúltero, não existe a saída que essa morte traria.
01. "Guardai-vos em vosso espírito, e ninguém seja desleal para com a mulher da sua mocidade. Porque o SENHOR, Deus de Israel, diz que odeia o repúdio" (Mal. 2.15-16). Aqui temos uma declaração solene -- O SENHOR odeia o divórcio. Dificilmente então Ele poderá aboná-lo. Ele eventualmente tolera, assim como Ele tolera o pecado. Aliás, suponho não existir divórcio sem pecado.
02. Lucas 16.18 nos apresenta a maneira básica em que Deus encara a questão, pois é uma declaração do Senhor Jesus: "Qualquer que deixa sua mulher e casa com outra, adultera; e aquele que casa com a repudiada pelo marido, adultera." Se aquele que casa com a divorciada "adultera", é porque o primeiro casamento ainda existe aos olhos de Deus.
03. Respondendo aos fariseus, em Marcos 10.2-5, o Senhor Jesus esclarece que Moisés permitiu aos homens repudiar mulher "pela dureza dos vossos corações". Nem aqui, nem em Mateus 19.3-9, aparece a idéia de "parte inocente". O divórcio geralmente se fundamenta em dureza de coração -- até hoje.
04. "Por isso deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á a sua mulher, e serão os dois uma só carne: . . . Portanto o que Deus ajuntou não o separe o homem" (Mc. 10.7-9). Fica claro que o ideal que Deus coloca é a monogamia -- "a sua mulher" é singular, "os dois" só pode dizer respeito a um homem e uma mulher. (É "dois", não três, quatro, cinco, etc. "Os dois" não pode dizer respeito a dois homens, a homem com animal, a mulher com demônio, ou como queira -- não pode.) Quando um homem e uma mulher se unem, passam a ser "uma só carne" e essa união Deus tem como sagrada -- "portanto o que Deus ajuntou não o separe o homem". Qualquer homem! Inclusive os próprios cônjuges. Eis aqui uma nítida proibição contra o divórcio. Nem os próprios cônjuges podem separar o que Deus ajuntou. Aliás, parece claro que nada que depois possa ocorrer altera o fato de ter acontecido a união -- "uma só carne" se fez, e fica. Outras eventuais uniões complicam a situação (o pecado sempre complica) mas são incapazes de fazer com que a primeira união inexista. É exatamente por isso que Deus chama as outras uniões de "adultério" -- se a primeira união tivesse sido desfeita, a palavra "adultério" não seria mais cabível, pois a palavra diz respeito precisamente à infidelidade a uma união ainda em pé.
05. É isso que Jesus afirma nos versos 11 e 12 (ainda Mc. 10): "Qualquer que deixar a sua mulher, e casar com outra, adultera contra ela. E, se a mulher deixar a seu marido, e casar com outro, adultera." Em Lucas 16.18 a mulher é apresentada como passiva - é deixada, aí tomada por outro. Aqui (v. 12) ela é apresentada como tomando a iniciativa-é ela que deixa o marido. Conclusão: quer seja o homem quer seja a mulher que toma a iniciativa, no momento que se une a outro(a) adultera, pois a primeira união ainda existe.
06. Em Mateus 5.27-28 lemos assim: "Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu porém, vos digo, que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar já em seu coração cometeu adultério com ela." É claro que adulterar no coração não desfaz a primeira união, e adulterar de fato também não a desfaz. Mateus 5.31-32 repete material que já comentamos, mas acrescenta a ressalva, "a não ser por causa de prostituição". Como a ressalva se repete em Mateus 19.9 e o contexto lá é mais amplo, vou comentá-la dentro do contexto de Mateus 19.3-10. Vamos lá.
07. Os fariseus chegam ao pé de Jesus perguntando se era "lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer motivo". Respondendo, Jesus apela para o propósito do Criador, ou seja, a monogamia, e repete a proibição contra o divórcio, "o que Deus ajuntou não o separe o homem" (incluindo os próprios cônjuges, presumivelmente). Aí eles não gostaram e puxaram a "carta de divórcio" falada por Moisés. Aí Jesus retrucou: "Moisés por causa da dureza dos vossos corações vos permitiu repudiar vossas mulheres, mas no princípio não foi assim." Notem bem, "Moisés permitiu", mas a idéia do Criador não foi bem essa, e Moisés permitiu "por causa da dureza dos vossos corações" (nada de "parte inocente"). Até aqui não encontramos nada que permita dizer que Deus abona o divórcio, mas vamos à "ressalva".
08. "Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de prostituição, e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada comete adultério." A questão chave é o sentido exato de "fornicação". No Novo Testamento, o termo diz respeito a prostituição (seria o sentido central), sexo premarital, incesto e homossexualismo. Não há caso claro para defender o sentido de "adultério". Aliás, em Mateus 15.19, Marcos 7.21, 1 Coríntios 6.9 e Gálatas 5.19, "fornicação" e "adultério" são apresentados como coisas diferentes, distintas e seria de estranhar se o Espírito Santo fosse depois confundir as duas coisas. No caso em pauta (Mt. 19.9) seria como que insultar o Espírito Santo dizer que "prostituição" tem apenas o sentido de "adultério" -- seria imputar uma desonestidade a Ele, ou no mínimo dizer que Ele visava confundir o leitor. Se o sentido desejado fosse "adultério", então o Autor teria feito escrever "adultério". Aliás, o fato de Jesus ter dito "fornicação" vale dizer exatamente que o casamento não tinha se concretizado ainda, pois caso contrário Ele teria dito "adultério". É exatamente por isso que me parece mais provável tratar-se de um caso semelhante ao dilema do José perante a Maria, grávida mas não por ele. Na cultura de então, uma vez desposada uma mulher era tida como pertencendo ao noivo, mesmo antes do casamento e a consumação da união física. Se, antes do casamento propriamente dito, ficasse provado que a noiva não era mais virgem (tendo havido fornicação, fatalmente), normalmente o noivo desmancharia o casamento, recusando-se a casar de fato com ela. A noiva seria repudiada e se o homem depois casasse com outra não haveria adultério, pois nunca se uniu sexualmente com a primeira. Se outro depois casar com a dita não será adultério porque embora deflorada não chegou a se casar. Em verdade, Mateus 19.9 não contraria Lucas 16.18 e Marcos 10.11-12; as três passagens são unânimes -- para Deus não existe divórcio. Só a morte desfaz a união matrimonial. Infidelidade complica, mas não desfaz. É por isso que Jesus chama qualquer segundo casamento de "adultério" pois a primeira união ainda existe. Parece claro que os discípulos, na hora, entenderam assim. Vejam só.
09. "Disseram-lhe seus discípulos: Se assim é a condição do homem relativamente à mulher, não convém casar" (Mt. 19.10). Ora veja, porque tanto desespero? Obviamente a palavra de Jesus foi muito dura para eles. Eles estavam acostumados com a facilidade permitida por Moisés, embora existissem na época várias posições quanto ao tipo de coisa que justificaria o divórcio. Mas parece que todo mundo concordava em que a infidelidade justificava o repúdio -- pelo menos isso. Milhares múltiplos de homens têm aceitado o casamento não pensando em saída a não ser (que Deus nos livre) por uma eventual infidelidade da mulher -- então essa interpretação parece inadequada para explicar a reação dos discípulos. É que Jesus simplesmente fechou a porta -- não existe divórcio que permita casar de novo. Só a morte abre a porta outra vez. Senão, vejamos.
10. "Não sabeis vós, irmãos (pois falo aos que sabem a lei), que a lei tem domínio sobre o homem por todo o tempo que vive? Porque a mulher que está sujeita ao marido, enquanto ele viver, está-lhe ligada pela lei; mas, morto o marido está livre da lei do marido. De sorte que, vivendo o marido será chamada adúltera se for doutro marido; mas, morto o marido, livre está da lei, e assim não será adúltera se for doutro marido" (Rom. 7.1-3). "Vivendo o marido será chamada adúltera" - nada de "parte inocente", nada de divórcio; enquanto o primeiro cônjuge estiver com vida a união existe e qualquer união a mais se caracteriza por "adultério". Só a morte desfaz a união. Ver 1 Coríntios 7.39 também.
11. Voltando a Mateus 19 atentemos para a resposta de Jesus diante do desespero dos discípulos (vv. 11-12): "Ele, porém, lhes disse: Nem todos podem receber esta palavra, mas aqueles a quem foi concedido. Porque há eunucos que assim nasceram do ventre da mãe; e há eunucos que foram castrados pelos homens; e há eunucos que se castraram a si mesmos por causa do reino dos céus. Quem pode receber isto, receba-o." Vejam que coisa, onde já se viu! Porque que Jesus puxa exatamente o assunto de eunuco a essa altura? Pois então, eunuco tem relações sexuais? Parece claro -- Jesus está dizendo que quem se separar de sua mulher deve então viver como "eunuco"; nada de novo casamento até que o primeiro cônjuge morra.
12. Resta comentar 1 Coríntios 7.10-17: "Aos casados mando, não eu mas o Senhor, que a mulher se não aparte do marido. Se, porém, se apartar que fique sem casar, ou que se reconcilie com o marido; e que o marido não deixe a mulher" (vv. 10-11). Tudo é coerente -- nada de divórcio. Mesmo em caso de separação, que fiquem sem casar! Isso para casal crente, mas será que para casal misto as regras vão ser outras? Observar, por favor, que é o Senhor que manda ficar sem casar. Depois, no verso 12, Paulo oferece uma opinião sua.
13. Após afirmar que a parte crente não deve nunca deixar a parte descrente, o apóstolo pondera: "Mas, se o descrente se apartar, aparte-se; porque neste caso o irmão, ou irmã, não está sujeito à servidão; mas Deus chamou-nos para a paz" (v. 15). Agora, se quando um cônjuge crente se aparta não é permitido ao outro casar novamente, com que lógica poderia se supor que a regra muda no caso de descrente? Porque? Como? Obviamente não procede. (A opinião de Paulo vale mais que o mandamento do Senhor?) Aliás, a parte crente é conclamada a um esforço especial, a mais, para ver se ganha a outra. Agora, se o incrédulo faz questão de separar-se o crente não é obrigado a tentar acompanhar a todo custo-seria uma servidão e contra a paz, pois estaria comprando briga com o descrente. Não tem nada no texto que justifique a idéia de que o crente abandonado tenha direito a outro casamento, absolutamente. Tanto é que o apóstolo encerra o capítulo reiterando que só a morte libera o sobrevivente para novo casamento (1 Co. 7.39).
14. CONCLUSÃO: Para Deus não existe o divórcio. Nunca é lícito contrair um segundo casamento enquanto o primeiro cônjuge estiver com vida. Deus leva o sexo a sério! Tanto assim que ele decreta a pena de morte para certos abusos. Qualquer tipo de incesto acarreta a morte; a prática homossexual acarreta a morte; ter sexo com animal acarreta a morte; ter relação sexual com mulher em menstruação acarreta a morte-ler com atenção Levítico 20.10-21. Porque Deus reage de forma tão severa? Suponho que seja pelo seguinte: os últimos três procedimentos destroem a semente do homem (o primeiro deturpa), e é a semente que transmite "a imagem do Criador". Ele não criou o sexo para o nosso prazer, a não ser num plano secundário, e sim para garantir a continuidade da raça. O propósito precípuo da criação é para glorificar a Deus, não para satisfazer os desejos dos homens. Qualquer argumento que se prende ao prazer ou à conveniência dos homens é suspeito e inadequado. O humanismo invade cada vez mais as igrejas evangélicas, mas o humanismo é idolatria e é contrário a Deus. Tem mais uma; até nessa severidade para com o sexo Deus está prevendo o bem estar da raça humana. Em Mal. 2:15 lemos assim: "Não fez Ele somente um? . . . E porque somente um? Ele buscava uma descendência temente a Deus. Portanto cuidado com vosso espírito, e ninguém seja desleal para com a mulher da sua mocidade." A palavra traduzida 'um' é ehad, que inclui pluralidade dentro da unidade. Entendo que a referência é a 'uma só carne'. O uso responsável do sexo visa evitar o aviltamento da raça-o temor de Deus serve para isso também.
Muito bem, Deus não queria o divórcio nunca, mas que fazer perante as confusões e complicações já existentes?
15. A Bíblia nunca usa a expressão "viver em adultério"; usa sim "cometer adultério". Mesmo tendo começo adúltero, uma segunda união também tem existência e é reconhecida por Deus. Perez entrou na linha do Messias embora sendo produto da união vergonhosa de Judá e Tamar (Gn. 38). A prostituta Raabe passou a ser tataravó do rei Davi apesar de sua vida sórdida. O exemplo culminante deve ser o de Davi e Batseba. Sua união teve início da maneira mais pecaminosa e criminosa possível (adultério e assassínio, bastante covarde, aliás), mas mesmo assim Deus a reconheceu e inclusive a abençoou ao ponto de colocar o fruto dessa união, Salomão, no trono e inclusive permitir que ele construísse o templo, que Deus destacou com sua glória Shekinah. Quer dizer, se alguém está vivendo fielmente com um segundo cônjuge a frase "vivendo em adultério" não se aplica, mesmo que cometeram adultério ao dar início à união. Uma vez que existe uma segunda união, ela existe tanto quanto a primeira e não há como desfazê-la. Um segundo divórcio nada resolve.
16. Aliás, há um procedimento que Deus terminantemente proíbe. Depois que uma mulher casa com um segundo homem não poderá voltar ao primeiro nunca, mesmo que esse venha a morrer, inclusive (Dt. 24.1-4). O expediente de exigir de uma mulher recém-convertida, que já passou por duas (ou mais) uniões, que volte ao primeiro marido é tristemente antibíblico só faz desgraça.
17. Sei que existem casos horripilantes, de abuso até criminoso por parte de um dos cônjuges, onde a separação torna-se uma necessidade inclusive para evitar a morte prematura de uma das partes. A violência pode justificar a separação, mas não um novo casamento. Ao meu ver, um dos aspectos mais desgraçados do pecado é que quase sempre as consequências piores recaem sobre terceiros, muitas vezes verdadeiramente inocentes no que diz respeito ao pecado cujas consequências estão sofrendo. Passamos a vida vitimando e sendo vitimados. E daí? Podemos desfazer ou escapar? Mesmo quando o caso é totalmente trágico, injusto, repugnante? Via de regra, não. O jeito que tem é nos valer da graça de Deus e "correr com paciência a carreira que nos está proposta; olhando para Jesus, autor e consumador da fé, o qual pelo gozo que lhe estava proposto suportou a cruz desprezando a afronta e assentou-se à destra do trono de Deus" (Hb. 12.2).
18. Pecado é pecado e pecado tem castigo, mas também tem perdão (menos a blasfêmia contra o Espírito Santo). O passado está fora do nosso alcance; não podemos alterá-lo nem podemos desfazer os nossos pecados, mas o sangue de Cristo pode cobrir o passado e nos purificar do pecado. As qualificações para serviço na Igreja de Cristo são colocadas em tempo presente. (E quem entre nós tiraria nota dez em todas as qualificações?) Apesar do passado, Deus lida com a gente no presente com base na nossa realidade atual. Contudo, parece existir um "senão".
19. Há graça e perdão, mas nem por isso ficamos livres das consequências dos nossos pecados nesta vida. É certo que parece existir diferença entre pecado deliberado depois de convertido e o que se fez antes. Paulo explica que embora chegasse a perseguir os crentes (até a morte) [ele estava executando, não assassinando - existe uma diferença fundamental], alcançou graça e um ministério (bem destacado, por sinal) porque o fez "ignorantemente, na incredulidade" (1 Tim. 1.12-14). Depois de convertido ele subjugava seu corpo para que "eu mesmo não venha dalguma maneira a ficar reprovado" (1 Co. 9.27). O pecado pode desqualificar para o ministério -- isto fica claro em 1 Timóteo 3.1-12, entre outras passagens. Lá está "marido de uma só mulher". Em Malaquias, "o SENHOR odeia o divórcio" se insere num contexto maior onde Ele esta castigando os sacerdotes que divorciaram suas esposas. Em Mal. 2.13-14 Deus afirma que exatamente por isso Ele não olha mais para suas ofertas. Tudo indica que Deus não quer nem sacerdote e nem pastor divorciado, e reterá a benção se teimarem mesmo assim (pior ainda se divorciaram depois de convertidos).
Dr. Gilberto Pickering Brasília, 04/04/2001
Obs.: Debaixo da Lei de Moisés, que foi dada por Deus, adultério acarretava a pena de morte (Lev. 20.10). Com isso, já que a morte libera, as pessoas "viúvas", os cônjuges sobreviventes poderiam casar novamente. Quando uma sociedade não executa adúltero, não existe a saída que essa morte traria.
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