Alexandre Pelegi
Eu tinha 7 anos quando matei minha mãe pela primeira vez. Eu não a
queria junto a mim quando chegasse à escola em meu 1º dia de aula. Eu me
achava forte o suficiente para enfrentar os desafios que a nova vida
iria me trazer. Poucas semanas depois descobri aliviado que ela ainda
estava lá, pronta para me defender não somente daqueles garotos
brutamontes que me ameaçavam, como das dificuldades intransponíveis da
tabuada.
Quando fiz 14 anos eu a matei novamente. Não a queria me impondo
regras ou limites, nem que me impedisse de viver a plenitude dos vôos
juvenis. Mas logo no primeiro porre eu felizmente a descobri rediviva –
foi quando ela não só me curou da ressaca, como impediu que eu levasse
uma vergonhosa surra de meu pai.
Aos 18 anos achei que mataria minha mãe definitivamente, sem chances
para ressurreição. Entrara na faculdade, iria morar em república, faria
política estudantil, atividades em que a presença materna não cabia em
nenhuma hipótese. Ledo engano: quando me descobri confuso sobre qual
rumo seguir voltei à casa materna, único espaço possível de guarida e
compreensão.
Aos 23 anos me dei conta de que a morte materna era possível, apenas
requeria lentidão… Foi quando me casei, finquei bandeira de
independência e segui viagem. Mas bastou nascer a primeira filha para
descobrir que o bicho “mãe” se transformara num espécime ainda mais
vigoroso chamado “avó”. Para quem ainda não viveu a experiência, avó é
mãe em dose dupla…
Apesar de tudo continuei acreditando na tese da morte lenta e
demorada, e aos poucos fui me sentindo mais distante e autônomo, mesmo
que a intervalos regulares ela reaparecesse em minha vida desempenhando
papéis importantes e únicos, papéis que somente ela poderia
protagonizar… Mas o final dessa história, ao contrário do que eu sempre
imaginei, foi ela quem definiu: quando menos esperava, ela decidiu
morrer. Assim, sem mais, nem menos, sem pedir licença ou permissão, sem
data marcada ou ocasião para despedida.
Ela simplesmente se foi, deixando a lição que mães são para sempre.
Ao contrário do que sempre imaginei, são elas que decidem o quanto esta
eternidade pode durar em vida, e o quanto fica relegado para o etéreo
terreno da saudade…
Escrevi essa crônica em 11 de março de 2008, um dia após a morte
de Ignês Pelegi de Abreu, minha mãe. Naquela época eu não tive condições
de ler o texto no ar, no que fui socorrido pelo meu amigo Irineu
Toledo. Hoje, um ano após sua morte, repito essa crônica em homenagem não só a ela, como a todas as mães que habitam o céu.
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