Juiz extingue ação contra pastor Malafaia e deixa claro: ele não foi homofóbico, e a Constituição brasileira não comporta a censura sob nenhum pretexto
Fonte: Reinaldo Azevedo
O juiz federal Victorio Giuzio Neto, da
24ª Vara Cível de São Paulo, extinguiu ação civil pública movida pelo
Ministério Público Federal contra o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de
Deus, contra a TV Bandeirantes e também contra a União. Vocês se lembram do
caso: no programa “Vitória em Cristo”, Malafaia criticou duramente a parada gay
por ter levado à avenida modelos caracterizados como santos católicos em
situações homoeróticas. Ao defender que a Igreja Católica recorresse à Justiça
contra o deboche, Malafaia afirmou o seguinte: “É para a Igreja Católica entrar
de pau em cima desses caras, sabe? Baixar o porrete em cima pra esses caras
aprender. É uma vergonha!”
Acionado por uma ONG que defende os
direitos dos gays, o Ministério Público Federal recorreu à Justiça, acusando o
pastor de estar incitando a violência física contra os homossexuais.
Demonstrei por que se tratava de um despropósito. E o que queria o MPF? Na
prática, como escrevi e também entendeu o juiz Victorio Giuzio Neto, a volta da
censura. Pedia que o pastor e a emissora fizessem uma retratação e que a União
passasse a fiscalizar o programa.
A decisão é primorosa. Trata-se de uma
aula em defesa da liberdade de expressão. Fico especialmente satisfeito porque
vi no texto muitos dos argumentos por mim desfiados neste blog — embora tenha
sido esculhambado por muita gente: “Você não entende nada de direito”. Digamos
que fosse verdade. De uma coisa eu entendo: de liberdade. O juiz lembra que o
Inciso IX do Artigo 5º da Constituição e o Parágrafo 2º do Artigo 220 impedem
qualquer forma de censura, sem exceção. De maneira exemplar, escreve:
Permite a Constituição à lei
federal, única e exclusivamente: “… estabelecer os meios legais que garantam à
pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou
programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no artigo 221, bem
como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à
saúde e ao meio ambiente”.
Estabelecer meios legais não
implica utilização de remédios judiciais para obstar a veiculação de programas
que, no entendimento pessoal, individual de alguém, ou mesmo de um grupo de
pessoas, desrespeitem os “valores éticos e sociais da pessoa e da família” até
porque seria dar a este critério pessoal caráter potestativo de obstar o
exercício de idêntica liberdade constitucional assegurada a outrem.
Mais adiante, faz uma síntese brilhante:
Proscrever a censura e ao mesmo
tempo permitir que qualquer pessoa pudesse recorrer ao judiciário para, em
última análise, obtê-la, seria insensato e paradoxal.
Excelente!
Afirma ainda o magistrado:
Através da pretensão dos autos, na
medida em que requer a proibição de comentários contra homossexuais em
veiculação de programa, sem dúvida que se busca dar um primeiro passo a um
retorno à censura, de triste memória, existente até a promulgação da
Constituição de 1988, sob sofismático entendimento de ter sido relegado ao
Judiciário o papel antes atribuído à Polícia Federal, de riscar palavras ou de
impedir comentários e programas televisivos sobre determinado assunto.”
O juiz faz, então, uma séria de
considerações sobre a qualidade dos programas de televisão, descartando,
inclusive, que tenham influência definidora no comportamento dos
cidadãos. Lembra, a meu ver com propriedade, que as pessoas não perdem (se
o tiverem, é óbvio) o senso de moral porque veem isso ou aquilo na TV;
continuam sabendo distinguir o bem do mal. Na ação, o MPF afirmava que os
telespectadores de Malafaia poderiam se sentir encorajados a sair por aí
agredindo gays. Lembrou também o magistrado que sua majestade o telespectador
tem nas mãos o poder de mudar de canal: não é obrigado a ver na TV aquilo que
repudia.
Giuzio Neto analisou as palavras a
que recorreu o pastor e que levaram o MPF a acionar a Justiça:
As expressões proferidas não são
reveladoras de preconceito se a considerarmos como manifestação de condenação
ou rejeição a um grupo de indivíduos sem levar em consideração a
individualidade de seus componentes, pois não se dirigiu a uma condenação
generalizada através de um rótulo, ao homossexualismo, mas, ao contrário, a
determinado comportamento ocorrido na Parada Gay (….) no emprego da imagem de
santos da Igreja Católica em posições homoafetivas.
Diante disto, não pode ser
considerado como homofóbico na extensão que se lhe pretende atribuir esta ação,
no campo dos discursos de ódio e de incentivo à violência, pois possível
extrair do contexto uma condenação dirigida mais à organização do evento - pelo
maltrato do emprego de imagens de santos da igreja católica - do que aos
homossexuais.
De fato não se pode valorar as
expressões dissociadas de seu contexto.
E, no contexto apresentado, pode ser
observado que as expressões “entrar de pau” e “baixar o porrete” se referem
claramente à necessidade de providências acerca da Parada Gay, por entender o
pastor apresentador do programa, constituir uma ofensa à Igreja Católica
reclamando providências daquela.
(…)
(…)
É cediço que, se a população em
geral utiliza tais expressões, principalmente na esfera trabalhista, para se
referir ao próprio ajuizamento de reclamação trabalhista (…) “vão meter a
empresa no pau”. Outros empregam a expressão “cair de pau” como mera condenação
social; “entrar de pau” ou “meter o pau”, por outro lado, estaria relacionado a
falar mal de alguém ou mesmo a contrariar argumentos ou posicionamentos filosóficos.
Enfim, as expressões empregadas
pelo pastor réu não se destinaram a incentivar comportamentos como pode indicar
a literalidade das palavras no sentido de violência ou de ódio implicando na
infração penal, como pretende a interpretação do autor desta ação.
Bem, meus caros, acho que vocês já
haviam lido algo semelhante aqui, não?, escrito por este “não-especialista em
direito”, como sempre fazem questão de lembrar os petralhas. Caminhando para a
conclusão de sua decisão, observa:
Por tudo isto e diante da clareza
das normas acima transcritas, impossível não ver na pretensão de proibição do
pastor corréu de proferir comentários acerca de determinado assunto em programa
de televisão, e da emissora de televisão deixar de transmitir, uma clara
intenção de ressuscitar a censura através deste Juízo.”
Mas e quem não se conforma com fim da
censura na TV? O juiz dá um conselho sábio, com certo humor e uma pitada de
ironia:
Para os que não aceitam seu
sepultamento - e de todas as normas infraconstitucionais que a previram -
restam alternativas democráticas relativamente simples para a programação da
televisão: a um toque de botão, mudar de canal, ou desliga-la. A queda do IBOPE
tem poderosos efeitos devastadores e mais eficientes para a extinção de
programas que nenhuma decisão judicial terá.
Caminhando para o encerramento
Sábias palavras a do juiz federal
Victorio Giuzio Neto! Tenho me batido aqui, como vocês sabem, contra certa
tendência em curso de jogar no lixo alguns valores fundamentais da
Constituição em nome de alguns postulados politicamente corretos que nada mais
são do que os “preconceitos do bem” de grupos de pressão influentes. Os gays
têm todo o direito de lutar por suas causas. Mas precisam aprender que não
podem impor uma agenda à sociedade que limite a liberdade de expressão, por
exemplo, ou a liberdade religiosa.
No caso em questão, a ação era, em
essência, absurda. É claro que o contexto deixava evidente que o pastor
recorria a uma linguagem metafórica — de uso corrente, diga-se. Se alguém foi
vítima de preconceito nessa história, esse alguém foi Malafaia. Não fosse um
líder evangélico — e, pois, na cabeça de alguns, necessariamente homofóbico —,
não teria sido importunado por uma ação judicial. Há um verdadeiro bullying
organizado contra os cristãos, pouco importa a denominação religiosa a que
pertençam. Infelizmente, a “religião” que mais cresce no mundo hoje é a
cristofobia.
Eu, que tenho criticado com certa
frequência a Justiça, a aplaudo desta vez.
Via: Julio Severo
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